No tocante ao livro "Fernão Capelo Gaivota", de Richard Bach


O livro encontrado na internet, em pdf, possui dezenove páginas, sendo parte do Projeto Democratização da Leitura. O site da Amazon coloca o livro como sendo um ícone da literatura que celebra a força do indivíduo e a alegria de encontrar o seu caminho no mundo, uma obra que agrada leitores de diversos tipos e tendências, podendo inspirar e motivar as pessoas a buscarem conquistar os seus objetivos de vida. O site da Estante Virtual coloca o livro como uma alegoria sobre a importância de se buscar propósitos mais nobres para a vida, de acreditar nos próprios sonhos e de buscá-los, mesmo quando as circunstâncias de vida estiverem contrárias a eles.

Richard Bach é um escritor estadunidense, nascido em 1936 no estado de Illinois, que foi piloto de avião e que usa o voo como uma metáfora filosófica para interpretar a vida. A sua primeira obra foi Stranger to the Ground (Estranho à Terra), publicada em 1963. A sua obra de maior sucesso foi Fernão Capelo Gaivota. As suas obras abordam questões relacionadas à aviação, ao voo, à vida, às relações e à encarnação. Outros livros conhecidos são Ilusões, Fora de Mim, Resgate no Mar, Longe é um lugar que não existe, Fugindo do Ninho, Em Busca de Inspiração, A Ponte para Sempre, Um, Manual do Messias e O Fim das Ilusões, entre outras.

Pode-se identificar vários temas no texto da obra, mas a liberdade pode ser colocada como sendo o assunto principal, pela sua capacidade de influência e motivação para melhorar a vida de cada indivíduo. A liberdade como o livre arbítrio da tradição cristã. A liberdade como a capacidade de cada ser humano desenvolver a sua independência, autonomia e autodeterminação, realizar escolhas orientadas pela própria vontade, pelo conhecimento. A liberdade como o caminho para alcançar a virtude e desenvolver a crença.

A seguir, será realizada uma exposição sintetizada do livro “Fernão Capelo Gaivota”, de Richard Bach, com algumas opiniões e reflexões sobre aspectos específicos da obra.

Na primeira parte do livro, o personagem principal é apresentado ao leitor. Fernão Capelo Gaivota treinava novas formas de voar, enquanto a maior parte das gaivotas não se preocupava em aprender mais do que os simples fatos do vôo que permitisse conseguir alimentação. Fernão tinha uma visão diferente, para ele o importante não era comer, mas voar, pois adorava realizar esta atividade. A sua maneira de pensar não o tornava popular entre as demais gaivotas, sendo irrelevante para ele, pois o seu anseio era de saber o que podia e o que não podia fazer no ar, no vôo. Para as demais gaivotas, a razão de voar era comer, para Fernão continha um prazer maior, o de conhecer, de saber mais.

Durante os seus treinos, Fernão se encontrava sozinho, esfomeado, mas feliz por estar aprendendo. O seu objetivo era obter maior velocidade, controlando o voo. Como na vida, as coisas nem sempre são isentas de acidentes, e durante o treinamento Fernão perdeu o controle e explodiu a meia altura e esmagou-se num mar duro como tijolo. Tal circunstância lhe trouxe desânimo, trazendo à mente pensamentos de que não havia nada a fazer, que era uma gaivota, que possuía uma natureza limitada. Nessa condição, lembrava das orientações do pai no sentido de esquecer a loucura de voar e de regressar ao bando, contentando-se em fazer o que as demais gaivotas faziam.

O pensamento de fazer a mesma coisa do bando, de ser apenas mais um, fez com que Fernão se sentisse melhor, pondo-se a voar no escuro em direção às luzes da praia. Ao perceber-se voando no escuro, verifica que ultrapassou limites, pois as gaivotas não voam no escuro. Passou a refletir sobre a velocidade do voo do falcão, que possui asas curtas, e entendeu que precisaria fechar as suas asas, encurtando-as. Ao testar o voo em tais condições, obteve sucesso, voando por cima das ondas como uma bala cinzenta de canhão, dominando o medo e ficando orgulhoso por isso. Para Fernão, a velocidade era poder, alegria e beleza.

O entusiasmo de Fernão cresceu, levando-o a treinar ainda mais, descobrindo como virar, como produzir uma curva larga e suave em alta velocidade, como desencadear um movimento giratório feito uma bala de espingarda. Percebeu que era possível subtrair a ignorância, evoluir como criatura, tornar-se inteligente e hábil. Entendeu que poderia ser livre. Nesse ponto, entendo ser pertinente alertar que a liberdade realmente é algo fundamental para o indivíduo, pois por meio dela pode-se evoluir como pessoa e desenvolver as potencialidades. Contudo, a liberdade deve vir acompanhada pela responsabilidade, pela capacidade de manter-se e de responder pelos seus atos.

O desejo de Fernão era de compartilhar com o bando o que havia descoberto com o seu treinamento, mostrar para as demais gaivotas os novos horizontes. Contudo, foi tratado como uma vergonha aos olhos das demais gaivotas pela sua irresponsabilidade, por violar a dignidade e a tradição da família das gaivotas. Devido a isso, Fernão foi banido da sociedade das gaivotas, sendo desterrado para uma vida solitária nos Penhascos Longínquos. A solidão não inibiu Fernão, fez com que ele voasse para além dos penhascos, ficando triste apenas com o fato das outras gaivotas terem se recusado alcançar o conhecimento da nova forma de voar.

Fernão aprendeu que um eficiente mergulho a grande velocidade lhe dava o peixe raro e saboroso que vivia três metros abaixo da superfície do mar. Já não precisava de barcos de pesca nem de pão duro para viver. Aprendeu a dominar os altos ventos do continente e a jantar ali os delicados insetos. O que outrora havia desejado para o bando, tinha agora só para si. Fernão descobriu que o tédio, o medo e a ira são as razões por que a vida de uma gaivota é tão curta. Fernão demonstrou ter superado a dificuldade que a vida lhe impôs para buscar os seus objetivos. Fez isso elevando ainda mais o seu espírito, não alimentando revoltas ou vinganças, alimentando o desejo de compartilhar e buscar mais conhecimento.

A segunda parte traz Fernão no “paraíso”, um novo lugar onde podia ampliar o seu treino e o seu conhecimento, identificar novos limites e reconhecer que havia aprendido muito na terra e que também havia o que aprender no novo local. Nessas circunstâncias, Fernão entendeu que o mais importante na vida era olhar em frente e alcançar a perfeição naquilo que mais gostava de fazer: voar. A perfeição e o aprendizado são colocados como aspectos fundamentais para a evolução. Buscá-los é uma tarefa diária, constante. Quando se atinge um nível elevado de conhecimento e de perfeição, pode-se chegar ao “paraíso”.

Entendo que existe um enaltecimento da ciência em detrimento da questão metafísica quando Chiang fala para Fernão esquecer a fé e buscar, apenas, compreender o que era voar. Para ele, as coisas dão certo quando se sabe o que está fazendo. É claro que conhecer bem as coisas e saber o que está fazendo é importante, contudo, não há como ter certeza do futuro do que vai acontecer porque é muito difícil controlar todas as variáveis que agem em uma determinada situação. Paralelamente, reduzir a situação a um ambiente controlado é fugir um pouco da condição normal da natureza. Portanto, entendo que a fé, acreditar, é uma força que pode contribuir para a promoção de mudanças, de superação.

Um outro aspecto a ser destacado é o trecho no qual Francisco Gaivota ouve uma voz que diz para que ele não seja duro com as gaivotas que o expulsaram, afirmando que elas fizeram mal a si próprias, dizendo que ele deve perdoá-las e ajudá-las a compreender. Dois pontos de vista devem ser pontuados. O primeiro é que de fato, quando se exclui uma ideia do debate, promove-se um empobrecimento das discussões, o que reduz a possibilidade de uma conclusão mais acertada. O segundo é que transparece um pouco de arrogância quando já se coloca como sendo o lado virtuoso, o lado que está com a razão e que as demais gaivotas estão erradas. Um pouco de humildade na hora de buscar o conhecimento contribui para um resultado melhor, pois a incerteza contribui na busca científica.

Na terceira parte, Fernão afirma que cada uma das gaivotas é uma ideia da Grande Gaivota, uma ideia iluminada da liberdade. Observa-se uma ideia ou uma crença na existência de um ser superior, divino. Ele utiliza tal afirmativa para instigar os seus discípulos a retirar os limites em seus pensamentos para conseguirem superar os limites de seus corpos. Fernão exercia o papel do líder, do mestre, demonstrando, sugerindo e conduzindo os seus discípulos, estando junto a eles. Para Fernão a liberdade é própria da natureza das gaivotas e que nada deveria limitá-la. Acreditava que só a lei que conduz a liberdade é verdadeira.

Fernão radicaliza um pouco ao entender que todo aquele que se oponha a liberdade deve ser posto de parte. Questiono se com essa atitude ele não estaria agindo de forma semelhante aquelas gaivotas que o baniram da comunidade. Como é ensinado a Chico, as limitações devem ser ultrapassadas de forma progressiva e pacientemente. Não é impondo formas de pensar ou agir que se consegue uma evolução. Esta deve ser proveniente de um amadurecimento e de uma profunda reflexão, evoluindo aquilo que deve ser evoluído, conservando aquilo que deve ser conservado e retroagindo naquilo que se constatar um equívoco na evolução.

Em outra parte do texto, Fernão destaca a importância do treino, colocando-o como sendo fundamental para provar a própria liberdade, que por meio do treinamento é possível ver a verdadeira gaivota, o que há de bom em cada um. Passa para Francisco Gaivota a lição de que ele precisa continuar se descobrindo, compreendendo e treinando a si próprio, não acreditando em seus olhos pelo fato deles só mostrarem limitações, que é necessário olhar com o entendimento para descobrir o que se sabe. Entendo que Fernão incentiva a busca pelo conhecimento das coisas e de si próprio, como um instrumento para o amadurecimento e para a evolução.

Encerra afirmando que uma gaivota é uma ilimitada ideia de liberdade e que o corpo nada mais é do que a expressão do próprio pensamento. Com isso Francisco Gaivota compreende que Fernão não foi mais divino do que ele próprio, que toda gaivota possui a capacidade de aprender e de evoluir. Percebe, então, que a sua jornada para a aprendizagem estava apenas iniciando.

A liberdade é um valor supremo, sem ela perde-se a própria dignidade ou legitimidade como cidadão. Considero natural que os mais velhos tentem exercer algum controle sobre s mais jovens e que os mais jovens, mesmo sem possuir as experiências de vida entenda que sabe o que é melhor. Trata-se do ímpeto da juventude. A liberdade não pode ser entendida como a capacidade de fazer o que se deseja e se quer, sem arcar com os resultados das ações provenientes de suas vontades. A liberdade liga-se à responsabilidade e é nesse sentido que entendo fazer sentido a busca pelo conhecimento proposta no livro.

Em síntese, no livro observa-se a busca pelo conhecimento e o próprio conhecimento funcionando como instrumentos para reforçar a liberdade, pois por meio dele pode-se promover uma evolução das gaivotas. Outro aspecto importante levantado no livro é o do treinamento. É por meio do treinamento que as habilidades são aprimoradas ou mesmo conseguidas. É na repetição constante, envolta a um senso crítico, observando, medindo e avaliando as ações e os resultados que se consegue aprimorar, evoluir.

É importante fazer o que se gosta e buscar aprimorar sempre aquilo que se faz. É nesse contexto que o treinamento se apresenta como elemento fundamental para a evolução. Para percorrer esse caminho, muitas vezes a solidão passa a ser a companhia na jornada, tendo na reflexão e na observação aspectos importantes para correção de detalhes, subtraindo a ignorância, adquirir inteligência e evoluir como criatura. Um conhecimento individualizado e não compartilhado tende a ser perdido, não promovendo benefício algum para quem o adquiriu ou para outros. A riqueza do conhecimento está em difundi-lo para que possa ser questionado por outros pontos de vista e contribua para com o desenvolvimento dos indivíduos.

Por fim, o livro traz uma mensagem de liberdade, do papel do conhecimento para alcançá-la, do treinamento como uma ferramenta para alcançar e aprimorar o conhecimento e da importância de tudo isso para se chegar à paz. Não se trata de uma mensagem revolucionária, mas sim de compaixão, de empatia, de buscar entender o outro, de ter uma vontade inabalável de conhecer, de procurar as virtudes e de tentar por meio das próprias mudanças interiores promover as mudanças na vida e nos outros, não de forma imposta, mas dando a opção para que aqueles que desejarem a mudança possam encontrá-la.

Para aprofundar e detalhar mais as ideias apresentadas neste texto é importante que se busque a leitura completa do livro, bem como conhecer um pouco mais sobre o autor. Para ambas atividades é possível encontrar material na internet.

BACH, Richard. Fernão Capelo Gaivota. Disponível em: http://www.dopropriobolso.com.br/images/stories/pdf/Richard_Bach-Fernao_Capelo_Gaivota.pdf. Acesso em: 19 mai. 1923.

BACH, Richard. Fernão Capelo Gaivota. Disponível em: https://doceru.com/doc/8xvs0v5. Acesso em: 21 jul. 2021.

BACH, Richard. Fernão Capelo Gaivota. Disponível em: https://static.fnac-static.com/multimedia/PT/pdf/9789892331317.pdf. Acesso em: 19 mai. 1923.

BACH, Richard. Fernão Capelo Gaivota. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Fern%C3%A3o-Capelo-Gaivota-Richard-Bach/dp/8501106127. Acesso em: 21 jul. 2021.

BACH, Richard. Fernão Capelo Gaivota. Disponível em: https://www.estantevirtual.com.br/livros/richard-bach/fernao-capelo-gaivota/2953972459. Acesso em: 21 jul. 2021.

Porto Editora – Richard Bach na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. Disponível em: https://www.infopedia.pt/$richard-bach. Acesso em: 18 jun. 2022.

RICHARD BACH. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2022. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Richard_Bach&oldid=63819031>. Acesso em: 18 jun. 2022.

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